3 em cada 10 brasileiros têm, já tiveram ou terão alterações significativas no odor que sai da boca. Para não sofrer com o problema, os especialistas recomendam: o diagnóstico mais eficaz é sempre o nariz do outro.

Os estressados têm agora mais um motivo para se preocupar. Além do alto risco de sofrerem com problemas como hipertensão, gastrite, dor de cabeça, tensões musculares e até mesmo infarto, pesquisas recentes indicam que eles são fortes candidatos a terem mau hálito. É fácil entender o motivo: o nervosismo e a irritação constantes diminuem a produção de saliva, reduzindo a higiene e desequilibrando a flora bucal. “A halitose é sinal de um desequilíbrio orgânico”, explica Luciana Sassa Marocchio, dentista e patologista bucal, membro da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas dos Odores da Boca (ABPO).

Segundo dados dessa mesma associação, o problema

atinge 51 milhões de brasileiros (de todas as idades). Ou seja, cerca de 30% da população tem, já teve ou terá alterações significativas em seu hálito. E os números não param por aí. No último congresso da International Society for Breath Odor Research (ISBOR), ocorrido em 2007, na cidade de Chicago, EUA, divulgou-se que entre 50 milhões e 80 milhões de americanos sofrem de mau hálito e, por isso, gastam anualmente mais de 2 bilhões de dólares em produtos para melhorar o mau cheiro.

Entre inúmeras causas

Hoje, são conhecidas mais de 60 possíveis causas que podem levar à halitose. É comum gue uma mesma pessoa apresente três ou mais causas associadas. Porém a maioria dos casos tem origem dentro da boca: “Está provado que cerca de 95% dos casos estão relacionados ao desequilíbrio na cavidade oral. Desse total, uma em cada três halitoses crônicas estão ligadas às doenças periodontais”, explica Eduardo Pedrazza Dutra, cirurgião dentista, especialista em periodontia e halitose, e membro da ABPO.
Além das periodontites, a saburra lingual, a descamação do epitélio bucal, as cáries, sangue e saliva fazem parte do conjunto de fatores responsáveis em maior ou menor parte pela formação do mau hálito. Já os problemas relacionados às vias aéreas superiores, como sinusites, amidalites e adenóide respondem apenas a 2% das causas.

Ataque invisível

Algumas espécies de bactérias anaeróbicas e proteolíticas(quemetabolizam as proteínas) como a Treponema denticola, Porphyromonas gingivalis e Prevotella intermédia vivem naturalmente na cavidade bucal. Uma de suas funções é decompor as proteínas existentes na boca, ricas em aminoácidos que contêm enxofre (como restos de alimentos, saliva, sangue e células epiteliais), e dar origem a compostos sulfurosos (gases de enxofre) que se dissolvem na saliva, causando apenas um leve odor.
Porém, quando há um desequilíbrio bucal, como o aumento dessas e de outras bactérias anaeróbicas presentes nos sulcos gengivais ou na superfície da língua, a existência de doença periodontal ou a diminuição de saliva (xerostomia), esse gases se vaporizam e o mau hálito fica evidente.

Prejuízos sociais

Os especialistas enfatizam que esse é um problema de suma importância, principalmente por causa das implicações psicológicas que trazem aos portadores. A pessoa que sofre de mau hálito, em geral, torna-se insegura ao aproximar-se dos outros, o que pode levar a um comportamento retraído.
Outra guestão importante é social, pois frequentemente a halitose causa situações embaraçosas quando seu portador fala em público ou numa reunião de trabalho, o que acaba por limitar sua atuação profissional. E dificilmente a pessoa que tem o problema percebe seu próprio hálito. Isso acontece por uma questão de aclimatação. Quando somos expostos a um tipo de odor, seja ele bom ou ruim, em pouco tempo nos acostumamos ao cheiro e deixamos de senti-lo. O processo é conhecido como fadiga olfatória.

RAZÃO PARA O DIVORCIO

Há milênios, a halitose atinge povos de todas as culturas e raças. Gregos e romanos deixaram registros sobre o assunto. Tanto na Bíblia cristã como no Alcorão mulçumano há referências a ela. Ensinamentos da liturgia judaica, existentes há dois mil anos, afirmam que o homem que se casasse com uma mulher e descobrisse logo após o casamento que ela tinha halitose poderia se divorciar sumariamente, sem precisar cumprir as cláusulas contratuais. Apesar da má fama, a halitose conseguiu inspirar até William Shakespeare, considerado o maior dramaturgo da literatura ocidental. No ato 5, cena 2 da peça Muito barulho por nada, o personagem garante: “…vento fétido é apenas hálito fétido e nauseante. Portanto, vou partir sem ser beijado”. Entretanto, além de ser antigo e trágico, o mau hálito, que ainda hoje afeta 40% da população mundial, sempre foi considerado uma espécie de tabu. Tanto é que os estudos sobre o problema começaram a se intensificar a partir da década de 1990. Hoje, existem especialistas dedicados apenas a cuidar dos pacientes com halitose.

OS CAUSADORES (E ALGUNS MITOS)

FALTA DE SALIVA: “Durante o sono, existe uma diminuição natural de saliva, o que reduz as defesas da boca. Soma-se a esse fator a contínua decomposição intrabucal de proteínas e teremos a explicação para o mau hálito quando se acorda”, diz o cirurqião dentista Eduardo Pedrazza Dutra. Esse tipo de halitose não requer uma atenção especial, até porque a ingestão de um alimento ou de líquido faz desaparecer o odor matinal. Entretanto, a diminuição de saliva pode ter outros motivos. Um deles é o estresse, que provoca alterações emocionais como nervosismo, ansiedade ou depressão. Outra causa é o uso de medicações. Segundo estudos, existem mais de 400 medicamentos, entre eles os antidepressivos, antialérgicos, anti-hipertensivos, anorexígenos, agente cardíacos, tranquilizantes e descongestionantes, entre outros, que alteram a saliva.
SABURRA LINGUAL: o dorso da língua, uma superfície extensa e rugosa, é um importante hospedeiro para produtos que podem causar o mau hálito. Dessa maneira, células descamadas, restos de alimentos e micro-organismos acumulam-se em cima da língua formando uma espécie de película esbranquiçada que é decomposta pelas bactérias anaeróbicas, dando origem aos gases malcheirosos. Segundo pesquisas, quase 90% dos casos de halitose estão relacionados à formação da saburra lingual. Até porque a diminuição de saliva, outro fator desencadeante, também favorece a formação da saburra.
DOENÇAS PERIODONTAIS: quando há inflamação no sulco gengival, espaço milimétrico que existe entre o dente e a parte interna da gengiva, começa a formação de um exudato (líquido) inflamatório que contém células descamativas e substâncias produzidas pelos micro-organismos da placa bacteriana que dão origem os gases sulfurosos. Também há de se levar em consideração que existe seis vezes mais saburra lingual em pacientes com periodontites em comparação aos que não apresentam o problema.
AMIDALAS: podem aparecer nesses órgãos de proteção, situados na parte posterior da garganta, alguns pontos amarelados muito confundidos com pus. Na verdade, esses pontos são uma massa amarelada, o caseum, composta de restos alimentares, saliva e bactérias. Não provoca infecção, mas causa mau hálito.
ESTÔMAGO: problemas no sistema digestório, como a gastrite, muitas vezes são considerados responsáveis pelo mau hálito. Mas isso não é verdadeiro. Do estômago, só virá hálito ruim nos casos de vômitos, e mesmo assim será passageiro. “Hoje, existe uma suspeita de que ocorra justamente o contrário. Ou seja, a halitose pode ser um dos fatores que levem a uma gastrite. Isso porque a bactéria Helicobacter pylori, causadora da inflamação na mucosa do estômago, encontra-se também na cavidade bucal”, diz Pedrazza.
FALTA DE LIMPEZA NOS DENTES: embora a má higiene seja um dos vilões mais citados, essa declaração nem sempre corresponde à verdade: “Fatores como o estresse, por exemplo, podem originar um desequilíbrio de tal ordem na cavidade oral que provoca o mau hálito, mesmo em pacientes que apresentam uma boa higiene oral”, relata a dentista Luciana Sassa Marocchio.
OUTROS CULPADOS: a halitose não é uma doença propriamente dita, mas um sinal de alterações orgânicas na boca ou nas vias respiratórias. E ela pode ser também um sintoma de problemas sistêmicos, como diabetes ou insuficiência renal crônica. Cada uma delas produz um tipo de hálito diferente: “O diabético pode apresentar um hálito cetônico, ou seja, com cheiro de cetona”, diz Pedrazza. A cetona, substância volátil de forte odor, também é liberada nas crises de hipoglicemia. Por isso, as pessoas que se submetem a regimes (ou ficam longos períodos sem se alimentar) exalam esse odor. O fumo, o uso de drogas e de bebidas alcoólicas e a utilização de soluções para bochecho com álcool são outros fatores que comprometem o hálito.

Medidor de odores bucais

O diagnóstico é feito com a ajuda da história clínica do paciente e da constatação (olfativa) do mau cheiro característico. A partir daí, o dentista começa a investigação inicial, o que inclui um exame detalhado da boca, da língua, dos dentes e do periodonto. Ele também avalia se a higienização do paciente está correta, se há presença de placa bacteriana, que dá origem às cáries, gengivites e periodontites. Outro procedimento é detectar a saburra lingual, a maior responsável pelo mau cheiro. Depois de achadas (ou não) as causas locais, o especialista também não deve descartar exames que possam detectar doenças como o diabetes, problemas hepáticos ou renais, se o histórico do paciente revelar algum problema nesse sentido.
Hoje já existem métodos complementares que auxiliam o diagnóstico, como a sialometria (medida do fluxo salivar) e a halimetria. Esta última é realizada por um aparelho portátil que mede, em partículas por bilhão, a quantidade dos compostos sulfurados vaporizados, presentes na boca. O halímetro, como é chamado, permite uma avaliação da gravidade do problema, além do acompanhamento da evolução do tratamento e do diagnóstico de pacientes com halitose psicogênica. Esta é a sensação que algumas pessoas têm de serem portadoras de mau hálito, quando, na verdade, ele não está presente. Em geral, a halitose psicogênica é provocada por problemas emocionais, desde uma tendência a exagerar as reações naturais do corpo até quadros severos de doença mentais, como a esquizofrenia.

Tratamento eficaz

O plano de tratamento varia de paciente para paciente, de acordo com as causas que afetam o seu hálito.
Mas, antes de tudo, é necessário que o paciente se conscientize que grande parte do sucesso do tratamento depende dele, até porque, muitas vezes, será preciso intervir em hábitos como parar de fumar ou comer em horas certas, mudanças que nem sempre são bem aceitas.
Depois de definido o diagnóstico,o especialista começa o tratamento específico para cada caso. Os eventuais problemas odontológicos, como cáries e doenças periodontais, devem ser tratados o mais rápido possível. O paciente também precisa ser orientado quanto a maneira correta de higienizar seus dentes e toda a mucosa da boca. Além disso os especialistas dão uma atenção especial à limpeza da língua, com limpadores adequados para esse fim. Muitas vezes o dentista trabalha em conjunto com o médico, seja ele clínico geral, otorrinolaringologista ou gastroenterologista, profissionais de extrema importância para que se consiga o equilíbrio orgânico necessário e para que o tratamento tenha sucesso.
Depois de todas as orientações fornecidas e eventuais medicamentos receitados pelo especialista, o tratamento leva cerca de 60 dias, quando o paciente é reavaliado para saber se houve melhora das taxas de medição do odor bucal.

Medidas Preventivas

Alguns cuidados simples podem ajudar você a manter um hálito saudável por todo o tempo:
•Faça pequenas refeições a cada três horas para não ficar de estômago vazio.
•Evite alimentos que provocam o ressecamento bucal como os muito salgados, quentes ou condimentados.
•Não exagere no consumo de alimentos com odor carregado ou contendo enxofre em sua composição, como alho, cebola, picles, repolho, couve, brócolis. Gorduras, frituras e bebidas como café, refrigerantes tipo “cola”, achocolatados, alimentos ricos em proteínas (carne vermelha, leite e derivados), entre outros, devem ser evitados.
•Evite álcool e fumo em excesso.
•Tome bastante água para a produção de saliva.
•Realize higiene bucal adequada, incluindo limpeza da língua, seguindo as recomendações do seu dentista.
•Visite o profissional a cada seis meses, prevenindo assim problemas dentários e gengivais.

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